De onde veio a idéia de escrever Drácula, a sombra da noite? Pretendia inovar o gênero? Queria conquistar o público feminino?
Essas e outras perguntas semelhantes me foram feitas ao longo dos anos desde a publicação da minha versão do Drácula. A minha resposta sempre foi não, eu não tinha a pretensão de inovar ou conquistar esse ou aquele público. Mas, analisando mais a fundo, eu queria fazer algo diferente sim. Não por ter a pretensão de inovar o gênero, e sim por ter uma visão diferente do vampirismo corrente na época.
Talvez esse olhar diferenciado seja influenciado pelo meu gosto pessoal, pelo meu tema preferido no inicio da minha carreira como roteirista. Sempre gostei da ficção fantástica, incluindo a pseudo ficção cientifica.
Quando o Kussumoto sugeriu fazer uma história de vampiro, visando um especial do gênero da Specktro, a idéia não me agradou muito. Mesmo assim pensei no tema e escrevi uma história dividida em duas partes “Semente do mal” e “Noite da vingança”, onde o vampiro tinha sentimentos.
E esta história foi publicada unicamente por que havia um buraco na revista e nada melhor para preencher o espaço. A história seguinte que escrevi (O Sol) foi apresentada apenas rafeada e recusada de imediato.
Algum tempo depois a editora me encomendou uma história do Drácula no futuro distante. Eu sabia que tinha que escrever algo dentro do padrão ou seria recusada pelo editor. Li o livro do Brain Stoker para conhecer a personagem. E de imediato eu percebi que faltava no livro a visão do vampiro. A situação toda era vista por uma ótica puritana e preconceituosa.
E então comecei a “pensar” como o vampiro. A buscar a motivação dele para continuar vivendo dias iguais, sem surpresas e suportando as mudanças em seu mundo. Essa idéia era tão forte que eu não conseguia escrever a história que me foi encomendada. Escrevi a série “Drácula 3.000 D.A” colocando poucas participações do vampiro enquanto pensava numa forma de harmonizar o que o editor queria publicar com o que eu queria escrever.
Esta série não teve continuação, mas a idéia de quadrinizar o “Drácula” permaneceu. Eu sabia também que da forma como eu queria fazer teria poucas chances de ser publicado. A idéia ficou zanzando sem rumo em minha mente até que conheci a Neide Harue.
A princípio ela recusou a idéia, pois o gênero terror não lhe agradava. Expliquei então a minha idéia em detalhes e ela topou, mesmo sabendo das poucas chances de conseguir publicar.
“Drácula, a sombra da noite” nasceu em seu formato atual como fruto das nossas conversas sobre a personagem, sobre seu mundo, sua motivação, etc.
Então, não havia a “pretensão” de inovar o gênero, mas havia uma vontade de fazer a história com outro ângulo, mantendo os dogmas do gênero.
UM OLHAR DIFERENTE
E esses dogmas eram o problema. Era corrente que o vampiro era uma alma penada, um demônio, um amaldiçoado. Que podia se transformar em morcego, lobo ou névoa. Que se levantava a noite para chupar sangue e voltar depois para dormir no caixão.
Eu não aceitava essa idéia mística sobre o vampiro. Influenciado pelo meu gênero favorito, eu pensava no vampiro como uma mutação genética. Foram longas discussões sobre isso com a Neide. Mesmo não me agradando, aceitei que as questões místicas, os dogmas da personagem, não podiam se ignorada.
Nenhum editor iria querer publicar uma personagem diferente do padrão e ainda mais se tivesse mudanças radicais.
Eu imaginava três tipos de vampiro:
1)- Os nascidos vampiros (a mutação genética). Que precisavam do sangue para se reproduzir e não como uma necessidade alimentar. E sua mordida não era contagiosa, só o seu sangue poderia transformar alguém em vampiro. E tinha todos os desejos humanos. E alguns poderes que não cheguei a definir na época. Mas não incluía a transformação em morcego, (A Maria era a representante deste tipo). Pesquisei sobre seres naturais que sugavam sangue, como o morcego, sanguessugas e pernilongo. A necessidade dos pernilongos me pareceu a mais adequada para minhas “teorias”.
2)- Os transformado ainda vivos, que necessitavam do sangue para se manterem jovens e terem vida mais longa. Mas o sangue não era uma necessidade alimentar. E, também, as mordidas não transmitiam o vampirismo. (O Drácula).
3)- Os transformado após a morte. Esses sim eram os pestilentos e necessitavam do sangue de forma compulsiva, um vício, uma droga. E podiam transmitir o vampirismo com a mordida. (Luci e duas vampiras que Drácula deixou no castelo).
E a motivação do Drácula para continuar vivendo? Poder? Riqueza? Amor? O amor era a única motivação perene. Um amor obsessivo gerando uma solidão, que por sua vez o impulsionava a buscar o fim desta solidão. E esse amor tinha um nome e um rosto (Catherine), que ele procurava obsessivamente e, óbvio, sem nunca encontrar. Até ser surpreendido pela Mina que o tirou do eixo, mesmo não tendo semelhanças físicas com a sua amada Catherine.
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COMO CONCILIAR O CONTRADITÓRIO?
Hoje tais idéias não surpreendem ninguém. Mas na época os editores eram conservadores e não queria arriscar em nada diferente. E, além da vontade de escrever a história tal como a imaginávamos, havia a necessidade do vil metal. Não tínhamos como fazer a história e não vender. Ainda mais que a história era longa.
Como fazer algo diferente e que ao mesmo tempo parecesse igual ao que se conhecia? Isso martelou a minha cabeça por muito tempo, sem solução. Até que resolvi escrever a história com diferentes pontos de vistas.
Primeiro tive que convencer a Neide que o primeiro número tinha que ser parecido com o que se publicava sobre vampiros e fazer mudanças mais radicais depois de ter começado a publicar.
A minha idéia era escrever o primeiro número sob o ponto de vista do Rosselini, místico e preconceituoso. E assim manter todos os dogmas conhecidos sobre vampiros. O segundo número seria escrito sob o ponto de vista do Harker, mesclando sua ignorância e medo ao misticismo.
E, então, começaria a escrever sob o ponto de vista do Van Helsing, uma visão mais humana e cientifica, deixando de lados os mitos preconceituosos. E, é claro, o ponto de vista do Drácula.
Mesmo assim a história foi recusada. Liam o primeiro número e não gostavam. E ficou na nossa gaveta até conhecermos o Carlos Cazzamatta que aceitou fazer sociedade comigo e publicar da forma como a gente desejasse desenvolver o personagem.
O número um já estava escrito e desenhado, começamos a fazer mudanças de rumos da história a partir do segundo. Ainda assim mantivemos as contradições, os conhecidos dogmas e deixei minhas idéias sobre a origem do vampirismo eclipsadas. Pretendia desenvolvê-las na série seguinte “Um vampiro no Ragtime”. E, como todos sabem, não passou do primeiro número.
A MORTE DO DRÁCULA
Recebemos inúmeras cartas pedindo para o Drácula não morrer no final. Resolvemos não atender ao pedido por dois motivos. Primeiro por que enquanto seguíamos a história do livro estávamos presos ao livro original. Segundo, tínhamos a idéia de continuar o personagem e desta vez seguir a nossa intuição e idéias sobre a personagem. E, portanto, era necessário o Drácula morrer e renascer livre do ranço do livro.
“O Vampiro no Ragtime” era o meio termo, a ponte. Infelizmente não houve continuação. Fomos atropelados pela condição financeira caótica da época. Não havia como uma editora pequena manter o mesmo preço de capa por meses a fio, suportando aumento de papel, de transportes, etc.
Infelizmente, também, a principal lição que poderia ser extraída desta história não foi apreendida pelos outros autores e editores. Drácula, a sombra da noite provou que as mulheres também poderiam ser leitoras de quadrinhos.
Por muito tempo nosso Drácula foi tachado como “romântico” com certo preconceito. Deduziram que as mulheres compravam a revista apenas por que havia uma história de amor embutida.
Eu creio que na verdade as mulheres, e os leitores em geral, querem HISTÓRIA, personagens coerentes e consistentes.
Houve antes muitas tentativas de se conquistar o público feminino com histórias de amor, sem sucesso. E o Drácula conquistou esse público, mas não se deram ao trabalho de analisar o motivo deste sucesso e manter esse público. Mas isso já é outra história, águas passadas.
Bom, essa é a resposta as perguntas sobre a gênese do Drácula, a sombra da noite. Espero ter saciado a curiosidades dos fiéis leitores e leitoras que até hoje guardam suas edições com carinho.
Ah, não posso me esquecer de comentar sobre a gênese do antagonista do Drácula, que não é Van Helsing como podem pensar.
É o Arthur.
Ele não foi concebido para ser “pernóstico”. Esse personagem era um ponto de interrogação, sem uma função na minha história. Mas, ao chegar neste ponto da narrativa, precisei de um personagem que representasse a ignorância e a ilimitada burrice do ser humano para ressaltar as personalidades da Mina, do Morris, do Van Helsing e do próprio Drácula.
E, com o Arthur era a única personagem de bobeira…
Um forte abraço aos meus leitores,
Ataíde Braz
No ramo das estórias em quadrinhos (atualmente chamadas de “romances gráficos”) algumas obras atingem fama instantânea e momentânea por serem produtos de uma época enquanto outras, raríssimas, vão além do puro mercantilismo por conter aquilo que se chama, em Filosofia, de pensamento transcendental. Foram poucas as vezes que me deparei com estas verdadeiras pérolas perdidas em milhares de títulos efêmeros.
Em minha humilde opinião, a obra mestra da produção nacional continua a ser “O Vampiro da Noite”, de Nico Rosso e Francisco de Assis, que preenche em noventa e sete páginas de detalhes carnavalescamente escabrosos todas as lacunas deixadas por Bram Stoker sobre como teria sido a vida humana do fictício Conde Drácula, e como exatamente ele teria sido transformado no primeiro vampiro.
O segundo lugar vai para a minissérie “Drácula: A Sombra da Noite”, de Ataíde Brás e Neide Harue. O que faz este romance gráfico tão especial não é somente a adaptação dos traços da Neide ao carismático estilo oriental. Verdade seja dita: O Mozart Couto desenhava de forma notoriamente mais realística, porém seus roteiros repetitivos sobre mansões mal assombradas, etc., eram bastante piegas… Um desconhecido Otto (não confundam com o OTA) conseguiu criar um ambiente surrealista tão fantástico, no romance gráfico “Delírio”, que mereceria entrar para a história se não fossem os seus traços infantis… O Flávio Cólin possuía um estilo fortemente nacionalista que eu adoro, contudo lhe faltavam idéias originais e o carisma necessário ao trato com a juventude.
O grande diferencial da arte de “Drácula: A Sombra da Noite” é a sua seqüência limpa e harmoniosa. A beleza superior da arte de Neide Harue deriva justamente do fato dela não ser demasiadamente humilde nem pomposamente supérflua. Afinal, quando um artista é realmente talentoso e competente, não precisa de técnicas caras e luxuosas. (Gente, eu fiquei traumatizada com a desídia dos estúdios estrangeiros depois que recebi a página original de um periódico norte-americano, leiloada por uma editora importante, sem arte final computadorizada, toda poluída por rasuras até nas coisas mais simples. Deve ser por isso que a maioria dos personagens daquele selo editorial xingam mais do que dialogam).
O roteiro de “Drácula: A Sombra da Noite” é gostoso de ler, coerente e inovador, mesmo tratando de um tema aparentemente tido por esgotado. Ao contrário da imensa maioria dos enredos nacionais e estrangeiros, ele permanece atual e atrativo – ao contrário do “Drácula 3.000 D.A” que é bom, mas nem tanto. – Enfim, esta minissérie realmente faz jus à imortalidade dos vampiros… Parabéns, pessoal!
Shirlei, do Francisco de Assis lia, que eu me lembre, apenas uma história. Nesta época eu gostava do Lobisomem do Gedeone e Nico Rosso. Não apreciava as histórias dos vampiros nesta época.
É lamentável que pouco se fale do Francisco de Assis. Mas, nos países onde Quadrinhos é considerado arte, pouco se fala dos roteirista. Mas deixemos isso de lado, vamos falar do que interessa, do assunto em pauta.
Drácula 3000 D.A não se desenvolveu. Foi um embrião. Para escrever eu li o livro do Drácula e detestei. E eu não conseguia encontrar o meu “Drácula”. Por isso, ele quase não participou… Ficou para uma segunda história que nunca foi escrita. Em Drácula, a sombra da noite, eu pude finalmente fazer o que desejava, a partir do segundo número.
Obrigado pelos elogios. O seu conhecimento sobre os quadrinhos de terror da época é surpreendente. Abraços.
Prezado Ataide, quando as revistas de Dracula A Sombra da Noite foram publicadas, me apaixonei pela estoria, pelos desenhos, pelos personagens e principalmente pelo o Dracula charmoso. Eu tinha a coleçao do n°1 ao 5 e o n°1 de O Vampiro no Ragtime. Mas um amigo perdeu o n°4. Fiquei arrasada. O tempo passou e nem lembrei de pesquisar na web por todo esse tempo em que existe internet. Hoje fui atras, sem sucesso. Lembro perfeitamente da capa com o Vlad segurando uma espada. Estranhamente, em todos resultados da pesquisa na web não havia sequer uma ilustração da capa da revista n°4. Gostaria de saber se há alguma novidade, tipo possibilidade de retomar o Vampiro no Ragtime, ou republicaçao da coleção. Se tiver uma dica para eu obter o n°4, agradecerei imensamente. Será um honra receber uma resposta sua. Abraços
Obrigado. Amanhã repondo as suas dùvidas. Abraços. Ataide Braz.
Iuri, as edições do Drácula originais são raras. Quase não se encontra para comprar, principalmente a número 4. Vez ou outra vejo a venda a edição com a história completa no mercado livre. No ano passado havia o plano de reeditar a coleção, mas não foi avante a ideia. Quanto a retomar o Vampiro Ragtime, não há nenhum plano a esse respeito. É algo que já ficou no passado. Não seria mais a mesma coisa. O que era inovação na época, hoje em dia é comum, como por exemplo um mocinho gay, sem afetação ou caricatura. Quando houve algo no sentido de republicar ou retomar o personagem, eu avisarei. Mas… não será o Drácula, mas até o fim do ano publicarei no meu blog uma história de vampiro, desenhada pelo desenhista italiano Umberto Buffa. Aguarde. Abraços, e fiquei feliz e honrado em saber que mesmo após tanto tempo você ainda lembra da história que escrevi.
Boa noite,
Eu amei esses gibis e vivia esperando cada exemplar, infelizmente durante um incendio em minha antiga casa os perdi. há alguma forma de comprar novos exemplares? Obrigada.
Alessandra, é difícil encontrar as edições desta série. E .quando se encontra é a um preço alto demais. Há uma possibilidade de haver uma nova impressão de toda a série, exceto o Um vampiro no Ragtime. Caso isso ocorra, eu lhe aviso. Abraços, Ataíde
Todas as vezes que assisto algum filme de Dracula, sempre procuro imaginar o mundo do dracula do sr. Ataide com o do Bram stocker, nunca consigo. não há ligação, o seu é envolvente, fantastico, sedutor e apaixonante, tenho uma copia do encadernado, porem emprestei para um amigo que me devolveu com algumas paginas inicias a menos, quase perdi a a amizade de tão frustada que fiquei. sempre procuro noticias sobre uma nova reedição, porem acredito que isso não acontecerá. foi atraves desses desenhos que me inspirei e hj adoro desenhos, principalmente mangás, me atrevo de vez em quando a desenhar algo. Neide você sempre será para mim uma inspiração.
A Neide ficará feliz com seus comentários, Ana. Obrigado. Está em estudo a republicação da série. Havendo novidades a respeito eu aviso. Abraços.
Que deleite para os meus olhos esta página 🙂 eu tinha este exemplar: Drácula – A Sombra da Noite edição especial. Tive a infelicidade de emprestar e nunca mais voltou 😦 procuro até hoje por um novo exemplar…mas não acho.
Realmente, Raquel, é difícil encontrar edições do Drácula. E, quando se encontrar é por um preço fora da realidade. Obrigado pelo carinho e quando tiver alguma novidade sobre republicação em ebook ou impresso, avisarei.
Abraços, Ataíde.
Continuo na esperança 🙂
Este foi o primeiro gibi da minha coleção. Eu era criança quando comprei Drácula (para assombro dos meus pais) e, na época, eu não tinha a noção da riqueza que eu tinha em mãos. Uma história ousada para os padrões que até então regiam a imagem do vampiro, mais humana, cativante e simplesmente deliciosa de ler. Hoje eu me impressiono ao perceber que, lá na década de 80, quando ainda a moda otaku estava bem distante do Brasil, Drácula era de um estilo totalmente mangá. Comprei a edição encadernada anos mais tarde e guardo-a com muito carinho, assim como a edição especial Um Vampiro no Ragtime que me fez ter a esperança, logo frustrada, de que a série continuaria. Drácula – A Sombra da Noite é uma preciosidade. Um tesouro inestimável e infelizmente pouco conhecido dos quadrinhos nacionais.
Caro amigo César,
Perdoe a demora em responder. Faz tempo que não atualizo o blog. Na época queríamos, eu e a Neide, fazer algo diferente. E essa vontade gerou a nossa versão do vampiro.
Um forte abraço
Ataide